``Tra-ba-lha-do-res do Brasil``! Com sua voz peculiar e sotaque gaúcho, Getúlio Vargas iniciava assim, ao microfone da rede nacional de radiodifusão, seus tradicionais ``discursos ao povo brasileiro``. Nos vários anos em que esteve no poder, como presidente do Governo Provisório (1930-1934), presidente eleito (1934-1937) no período do Estado Novo (1937-1945) e em seu retorno ao Palácio do Catete (1950-1954), Vargas não apenas utilizou o rádio para suas campanhas políticas nacionalistas, como também foi um dos grandes incentivadores de sua imagem pelo rádio, e seu projeto de integração nacional e cultural foi levado a cabo pelas ondas curtas que atingiam todos os cantos do país.
A utilização política do rádio não era novidade.
Tendo se disseminado como meio de comunicação de massa na década de 1920, já no início dos anos 30 o regime de Hitler havia transformado o rádio na mais poderosa arma de propaganda da ideologia nazista. Os nortes - americanos seguiram o exemplo, e também o usaram como arma de propaganda, mas de um modo um pouco mais sutil. enquanto os discursos de Hitler eram feitos em tom belicoso, com uma oratória que dispensa os acordes impetuosos das músicas de fundo, o presidente Roosevelt transmitia seus programas de rádio como se estivesse conversando tranquilamente com seus ouvintes, ao pé da lareira.
Durante a Segunda Guerra Mundial, discursos transmitidos pelo rádio podiam ser ouvidos ao mesmo tempo em Berlim, no norte da África, na frente russa, no Brasil e nos submarinos espalhados pelo Atlântico. Mas, se o rádio servia a guerra, também estava ao lado da resistência à opressão. As fronteiras nacionais, com suas alfândegas e controles, não eram obstáculos para as transmissões em ondas curtas. Há diversos relatos de intelectuais e escritores de países sob regime autoritário que encontravam nas emissoras de ondas curtas um modo de receber, a partir do exterior, as notícias de sua própria cidade e região, normalmente submetidas à censura nos jornais e rádios locais.
E essa revolução não consistia apenas na transmissão de discursos e propaganda partidária, a própria cultura passa a ser visto como elemento fundamental do projeto político do Estado Novo. Isso ficou claro em 1940, com a estatização da Rádio Nacional, maior emissora do Rio de Janeiro. Transmitindo programas de música, humor, jornalismo, variedades e novelas radiofônicas, a Rádio Nacional foi a maior expressão do que depois ficaria conhecido como a ``Era de Ouro`` do rádio brasileiro.
Além disso, não faltava verba para a manutenção de músicos e artistas, como os que faziam parte da Orquestra Brasileira da Rádio Nacional, dirigida pelos maestros Leo Peracchi e Radamés Gnatalli, que um dia lembrou, em entrevista, a frase que ouviu de Gilberto de Andrade, o diretor nomeado por Vargas para reformular a programação da Rádio Nacional: ``Gastem o dinheiro que tiver aí, não precisa guardar``. Andrade foi um dos principais entusiasta do uso político e cultural do rádio, ressaltando o poder do meio em uma de suas declarações: ``Não podemos desestimar a obra de propaganda e de cultura realizada pelo rádio e, principalmente, a sua ação extra - escolar; basta dizer que o rádio chega até onde não chegam a escola e a imprensa, isto é: aos pontos mais lonlínquos do país``.
No entanto, o produto de maior sucesso da Rádio Nacional estava longe de servir aos elevados interesses da política e da cultura. A introdução da novela radiofônica mudou hábitos e criou uma tradição que segue até hoje, transplantada para a televisão. A primeira novela estreou em 1941: o melodrama ``Em busca da felicidade``, do autor cubano Leonardo Blanco.
Autores e diretores brasileiros logo desvendaram os truques do gênero, criando obras que se estendiam por meses e até mesmo anos, prendendo a atenção de um público formado principalmente por mulheres. A contra partida ``Cultural`` era a encenação de peças teatrais, adaptadas ao rádio e ``encenadas`` com o apoio de narração e sonoplastia. Nos primeiros anos da década de 1940 foram montadas, em várias emissoras, 300 peças integrais e 116 novelas, para alegria dos anunciantes, que pagavam caro pela exposição de seus produtos.
Embora tivesse menos tempos de transmissão, em meio a tantos programas, o jornalismo ocupava uma posição de destaque. Vários dos debates mais importantes da época, muitos deles justamente sobre o controle dos meios de comunicação, ocorriam pelo rádio.
As estações geralmente estavam ligadas a empresas do jornalismo escrito, participando ativamente da política local e nacional. O principal programa de jornalismo, com um formato diferenciado e uma alegada objetividade, era o famoso ``Repórter Esso``, a Testemunha Ocular da História``. Com um discursso anticomunista e liberalizante, o programa era alimentado por agências norte-americanas, e sua implantação no Brasil fez parte dos esforços da ``Política da Boa Vizinhança`` levada a cabo pelos EUA desde meados da década de 1930. Curiosamente, o principal noticiário de um governo que havia criado a Petrobrás e lutado pela nacionalização do ``Ouro Negro`` era patrocinado por uma empresa petrolífera americana.
O filme ``A era do rádio`` (1987) do diretor Woody Allen, é um retrato bem humorado do enorme impacto dos programas radiofônicos na vida cotidiana, durante as décadas de 1930-1940, antes do advento da televisão. Assistia ao filme e, com a ajuda do professor, organize um programa de rádio com entrevistas e depoimentos sobre a história das transmissões radiofônicas do Brasil. Certamente as pessoas com mais de sessenta anos terão muita coisa para contar, pois acompanharam grande parte dos eventos decisivos do século XX com o ouvido grudado nos alto-falantes.
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