sábado, 1 de janeiro de 2011

A era do rádio


Jornalista Rosa Rodrigues

``Tra-ba-lha-do-res do Brasil``! Com sua voz peculiar e sotaque gaúcho, Getúlio Vargas iniciava assim, ao microfone da rede nacional de radiodifusão, seus tradicionais ``discursos ao povo brasileiro``. Nos vários anos em que esteve no poder, como presidente do Governo Provisório (1930-1934), presidente eleito (1934-1937) no período do Estado Novo (1937-1945) e em seu retorno ao Palácio do Catete (1950-1954), Vargas não apenas utilizou o rádio para suas campanhas políticas nacionalistas, como também foi um dos grandes incentivadores de sua imagem pelo rádio, e seu projeto de integração nacional e cultural foi levado a cabo pelas ondas curtas que atingiam todos os cantos do país.



A utilização política do rádio não era novidade.



Tendo se disseminado como meio de comunicação de massa na década de 1920, já no início dos anos 30 o regime de Hitler havia transformado o rádio na mais poderosa arma de propaganda da ideologia nazista. Os nortes - americanos seguiram o exemplo, e também o usaram como arma de propaganda, mas de um modo um pouco mais sutil. enquanto os discursos de Hitler eram feitos em tom belicoso, com uma oratória que dispensa os acordes impetuosos das músicas de fundo, o presidente Roosevelt transmitia seus programas de rádio como se estivesse conversando tranquilamente com seus ouvintes, ao pé da lareira.



Durante a Segunda Guerra Mundial, discursos transmitidos pelo rádio podiam ser ouvidos ao mesmo tempo em Berlim, no norte da África, na frente russa, no Brasil e nos submarinos espalhados pelo Atlântico. Mas, se o rádio servia a guerra, também estava ao lado da resistência à opressão. As fronteiras nacionais, com suas alfândegas e controles, não eram obstáculos para as transmissões em ondas curtas. Há diversos relatos de intelectuais e escritores de países sob regime autoritário que encontravam nas emissoras de ondas curtas um modo de receber, a partir do exterior, as notícias de sua própria cidade e região, normalmente submetidas à censura nos jornais e rádios locais.



Meios de comunicação ideal para superar distância, não apenas geográficas, mas também culturais, o rádio podia ser produzindo e ouvido de forma relativamente barata. Superava assim, pela agilidade e alcance, seu concorrente mais próximo: o jornal impresso. Além disso, veiculava não apenas notícia, mas músicas, esportes e entretenimento, configurando - se como o principal veículo da primeira fase da expansão da sindústria cultural moderna. O Brasil, atrasado no que se referia a produção editorial, não queria ficar atas no domínio dessa nova tecnologia. Já em 1932, o governo Vargas institui as primeiras leis específicas para a radiodifusão, tomando posse das frequências e adotando o padrão americano, que colocava na mão de particulares, sob s forma de concessões, o controle das emissoras.



A expansão do rádio acabou contribuindo de maneira decisiva para a implementação do projeto nacionalista de Vargas, que em um de seus discursos deixou claro as diretrizes do Estado Novo: ``A riqueza de cada um, a saúde, a cultura, a alegria, não são apenas bens pessoais, representam reservas de vitalidade social que devem ser aproveitadas para fortalecer a ação do Estado``.



E para isso Vargas criou, em 1939, o Departamento da Imprensa e Propaganda (DIP), órgão destinado a vigiar a imprensa e difundir o pensamento político do regime. Um dos primeiro frutos do DIP foi a criação da ``Hora do Brasil``, programa de rádio oficial que depois de tornou à ``Voz do Brasil``, de transmissão obrigatório ainda hoje por todas as rádios do país. Os objetivos eram muitos: a exaltação do Brasil no exterior, a integração nacional, projetos de educação a distância, propaganda turística e ``difusão de números musicais e literários que manifestem o pensamento brasileiro``. Como cantava Lamartine Babo, uma marcha de apoio a Getúlio: ``Só mesmo com revolução, graças ao rádio e o paralelo, Nós vamos ter transformação, Neste Brasil verde e amarela``.



E essa revolução não consistia apenas na transmissão de discursos e propaganda partidária, a própria cultura passa a ser visto como elemento fundamental do projeto político do Estado Novo. Isso ficou claro em 1940, com a estatização da Rádio Nacional, maior emissora do Rio de Janeiro. Transmitindo programas de música, humor, jornalismo, variedades e novelas radiofônicas, a Rádio Nacional foi a maior expressão do que depois ficaria conhecido como a ``Era de Ouro`` do rádio brasileiro.



Levando a vida a cantar, às ``cantoras e cantores do rádio`` difundiam música brasileira de qualidade, com canções ao mesmo tempo divertidas e recheadas de apelo nacionalista. Em seus programas, o compositor Almirantes proibia o uso de expressões em outras línguas: Lamartine Babo e Ari Barroso compunham obras ufanistas, como a célebre ``Aquarela do Brasil``, enquanto Heitor Villa - Lobos reunia milhares de estudantes para cantar nos estádios, em coro, hinos de exaltação a pátria. Todos os principais cantores da época eram contratados da Rádio Nacional: vozes como as de Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Emilinha Borba, Vicente Celestino e Carlos Galhardo, que contavam com fãs ardorosos e vendiam milhares de discos, em grande parte divulgados pelas apresentações ao vivo transmitidas pela rádio.



Além disso, não faltava verba para a manutenção de músicos e artistas, como os que faziam parte da Orquestra Brasileira da Rádio Nacional, dirigida pelos maestros Leo Peracchi e Radamés Gnatalli, que um dia lembrou, em entrevista, a frase que ouviu de Gilberto de Andrade, o diretor nomeado por Vargas para reformular a programação da Rádio Nacional: ``Gastem o dinheiro que tiver aí, não precisa guardar``. Andrade foi um dos principais entusiasta do uso político e cultural do rádio, ressaltando o poder do meio em uma de suas declarações: ``Não podemos desestimar a obra de propaganda e de cultura realizada pelo rádio e, principalmente, a sua ação extra - escolar; basta dizer que o rádio chega até onde não chegam a escola e a imprensa, isto é: aos pontos mais lonlínquos do país``.



No entanto, o produto de maior sucesso da Rádio Nacional estava longe de servir aos elevados interesses da política e da cultura. A introdução da novela radiofônica mudou hábitos e criou uma tradição que segue até hoje, transplantada para a televisão. A primeira novela estreou em 1941: o melodrama ``Em busca da felicidade``, do autor cubano Leonardo Blanco.


Autores e diretores brasileiros logo desvendaram os truques do gênero, criando obras que se estendiam por meses e até mesmo anos, prendendo a atenção de um público formado principalmente por mulheres. A contra partida ``Cultural`` era a encenação de peças teatrais, adaptadas ao rádio e ``encenadas`` com o apoio de narração e sonoplastia. Nos primeiros anos da década de 1940 foram montadas, em várias emissoras, 300 peças integrais e 116 novelas, para alegria dos anunciantes, que pagavam caro pela exposição de seus produtos.



Embora tivesse menos tempos de transmissão, em meio a tantos programas, o jornalismo ocupava uma posição de destaque. Vários dos debates mais importantes da época, muitos deles justamente sobre o controle dos meios de comunicação, ocorriam pelo rádio.



As estações geralmente estavam ligadas a empresas do jornalismo escrito, participando ativamente da política local e nacional. O principal programa de jornalismo, com um formato diferenciado e uma alegada objetividade, era o famoso ``Repórter Esso``, a Testemunha Ocular da História``. Com um discursso anticomunista e liberalizante, o programa era alimentado por agências norte-americanas, e sua implantação no Brasil fez parte dos esforços da ``Política da Boa Vizinhança`` levada a cabo pelos EUA desde meados da década de 1930. Curiosamente, o principal noticiário de um governo que havia criado a Petrobrás e lutado pela nacionalização do ``Ouro Negro`` era patrocinado por uma empresa petrolífera americana.



Se Getúlio forjou sua vida política através do rádio, foi no momento de sua morte que o poder de informação e comoção do jornalismo radiofônico afetou de modo imediato a vida política nacional. O livro Vargas, agosto de 54, a história contada pelo rádio (Editora Garamond, 2004), organizado pela historiadora Ana Baum, conta em detalhes esse episódio, e ainda vem acompanhado de dois discos com notícias e programas sobre a época. Nodia 24 de agosto de 1954, após uma madrugada confusa, em que vários grupos Toneleros, a notícia do suicídio do presidente ecoou no Brasil inteiro pela Rádio Nacional, enquanto os jornais ainda saiam com a cobertura das reuniões do dia anterior: ``Atenção, aqui fala o Repórter Esso`` em edição extraordinária. Acaba de suicidar-se, em seus aposentos, Palácio do Catete, o presidente Getúlio Vargas``.



O efeito foi imediato: uma multidão saiu às ruas para chorar a morte de Vargas e destruir as sedes dos órgãos de imprensa contrários ao governo. A carta-testamento de Getúlio, lida no mesmo dia com voz embargada de emoção pelos locutores favoráveis ao governo, era uma peça perfeitamente adequada ao rádio: ``Lutei contra a esfoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei minha vida. Agora vos ofereço minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história``. E quem contou essa história, ao vivo, tornando - se ele mesmo parte importante da história do Brasil.



O ``Pai dos Pobres`` construiu sua imagem pelo rádio, e seu projeto de integração nacional cultural foi levado a cabo pelas ondas curtas que atingiam todos os cantos do país.



O filme ``A era do rádio`` (1987) do diretor Woody Allen, é um retrato bem humorado do enorme impacto dos programas radiofônicos na vida cotidiana, durante as décadas de 1930-1940, antes do advento da televisão. Assistia ao filme e, com a ajuda do professor, organize um programa de rádio com entrevistas e depoimentos sobre a história das transmissões radiofônicas do Brasil. Certamente as pessoas com mais de sessenta anos terão muita coisa para contar, pois acompanharam grande parte dos eventos decisivos do século XX com o ouvido grudado nos alto-falantes.

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