terça-feira, 15 de setembro de 2009

Realismo e Naturalismo



Em 1857, mesmo ano em que no Brasil era publicado O Guarani, de José de Alencar, na França era publicado Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o primeiro romance realista da literatura universal. Em 1867, Émile Zola publica Thérèse Raquin, inaugurando o romance naturalista.

No Brasil considera-se 1881 como o ano inaugural do Realismo. Um ano fértil para a literatura brasileira, com a publicação de dois romances fundamentais, que modificaram o curso de nossas letras: Aluísio Azevedo publica O Mulato, o primeiro romance naturalista do Brasil; Machado de Assis publica Memórias Póstumas de Brás Cubas, o primeiro romance realista de nossa literatura. O Realismo se estende, na prática, até as duas primeiras décadas do século XX.

O Realismo reflete as profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais da segunda metade do século XIX. A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, entra numa nova fase, caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade. O capitalismo se estrutura em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais; por outro lado, a massa operária urbana avoluma-se, formando uma população marginalizada que não partilha dos benefícios gerados pelo progresso industrial. Essa nova sociedade serve de pano de fundo para uma nova interpretação da realidade, gerando teorias de variadas posturas ideológicas.

O Brasil também passa por mudanças radicais tanto no campo econômico como no campo político-social, no período compreendido entre 1850 e 1900, embora com profundas diferenças materiais, se comparadas às da Europa. A monarquia vive uma progressiva decadência; avança a luta abolicionista; desde a Guerra do Paraguai, organiza-se o movimento republicano notadamente entre os militares. O fim da mão-de-obra escrava e a sua substituição pela mão-de-obra assalariada, então representada pelas levas de imigrantes europeus que vinham trabalhar na lavoura cafeeira, originou uma nova economia voltada para o mercado externo.


CARACTERÍSTICAS

As características do Realismo estão intimamente ligadas ao momento histórico, refletindo, dessa forma, a postura do positivismo de Augusto Comte, preocupado com o real-sensível, o fato; do socialismo científico de Marx e Engels, definindo o materialismo histórico e defendendo a luta de classes; do evolucionismo de Charles Darwin e sua teoria da origem das espécies, negando a origem divina defendida pelo cristianismo.

Assim é que o objetivismo aparece como negação do subjetivismo romântico e nos mostra o homem voltado para aquilo que está diante e fora dele, o não-eu; o personalismo cede terreno ao universalismo. O materialismo leva à negação do sentimentalismo e da metafísica. O Realismo só se preocupa com o presente, o contemporâneo. O avanço das ciências, influencia sobremaneira os autores da nova estética, principalmente os naturalistas, donde se falar em cientificismo nas obras desse período.

Ideologicamente, os autores desse período são antimonarquistas, assumindo uma defesa clara do ideal republicano; negam a burguesia a partir da célula-mãe da sociedade – a família; eis por que a insistência nos triângulos amorosos, formados pelo o pai traído, a mãe adúltera e o amante, que é normalmente um ¨amigo da casa¨; são anticlericais, destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia das beatas.

Finalmente, é importante salientar que Realismo é denominação genérica de um estilo de época, em que se podem perceber três tendências distintas, expostas a seguir:

Romance realista

Cultivado por Machado de Assis, é uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo críticas à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. Por outro lado, o romance realista analisa a sociedade ¨por cima¨, ou seja, seus personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante. O romance realista é documental, retrato de uma época.



Romance naturalista

Cultivado no Brasil por Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Domingos Olímpio, Inglês de Sousa e Manuel de Oliveira Paiva, o romance naturalista é marcado por forte análise social a partir de grupos humanos marginalizados, valorizando o coletivo. É tradicional a tese de que, em O Cortiço, o principal personagem não é João Romão, nem Bertoleza, nem Rita Baiana, mas sim o próprio cortiço, devidamente antropomorfizado. Por outro lado, o Naturalismo apresenta romances experimentais; a influencia de Darwin se faz sentir na máxima naturalista segundo a qual o homem é um animal; portanto, antes de usar a razão, deixa-se levar pelos instintos naturais.
Importante:

Como você observa, há vários pontos de coincidência entre o romance realista e o naturalista; diríamos até que ambos partem de um mesmo ponto X e ambos chegam ao mesmo ponto Y, só que percorrendo caminhos diversos. Inclusive podemos encontrar, numa mesma obra, determinadas posturas mais realistas convivendo com enfoques mais naturalistas, como no romance O Ateneu, de Raul Pompéia.

Poesia parnasiana

Cultivada por Olavo Bilac, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Vicente de Carvalho, a poesia parnasiana preocupa-se com o rigor formal e a objetividade.



PRODUÇÃO LITERÁRIA EM PROSA

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, em 1839. Seu pai era brasileiro, mulato e pintor de paredes; sua mãe era portuguesa e lavadeira. Frequentou por pouco tempo uma escola pública, onde aprendeu as primeiras letras; aos 16 anos publica o poema ¨Ela¨, em uma edição da revista Marmota Fluminense. Em 1869, casa-se com Carolina Xavier de Novais. Como funcionário público, teve uma carreira meteórica, que lhe deu tranquilidade financeira. Em 1897, realizando um velho sonho, é eleito presidente da recém-fundada Academia Brasileira de Letras. Após a morte de sua esposa , em 1904, o romancista passou a sair de casa raramente; sua saúde, extremamente abalada pela epilepsia, por problemas nervosos e por uma gaguez progressiva, contribuía para o seu isolamento. Morre em 1908, em sua confortável casa do Cosme Velho.


Costuma-se dividir a obra de Machado de Assis em duas fases distintas: a primeira fase apresenta o autor ainda preso a alguns princípios da escola romântica, sendo, por isso, chamada de fase romântica ou de amadurecimento; a segunda apresenta o autor completamente definido dentro das ideias realistas, sendo, portanto, chamada de fase realista ou de maturidade. Machado foi romancista, cronista, contista, poeta e crítico literário, além de deixar algumas peças de teatro. Nesse volume comentaremos apenas a prova machadiana.

A prosa de Machado de Assis – Primeira fase

Pertencem à primeira fase os romances Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia.

Machado de Assis foi um ótimo crítico literário, principalmente de sua própria obra. Portanto, ninguém melhor do que o próprio autor para reconhecer a diversidade de caminhos trilhados; transcreve-se a seguir uma ¨advertência¨de Machado para a reedição de 1905 do romance Helena:

Advertência

Esta nova edição de ¨Helena¨sai com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876.

Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.

(ASSIS, Machado de. Obra completa.
Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1986. p.272.)


Observa-se, portanto, que Machado nos dá a dimensão exsta das fases de sua obra, assumindo uma posição paternal ao comentar e se desculpar das obras da primeira fase, nostalgicamente relembradas como uma época de ¨Fé Ingênua¨, ingenuidade essa perdida ao trilhar ¨diferentes páginas¨, ou seja, páginas realistas.

No entanto, apesar de romanescos, os textos da primeira fase já indicavam algumas características das obras da maturidade: o amor contrariado, o casamento por interesse, um ligeira preocupação psicológica e uma sutil ironia.

A prosa de Machado de Assis – Segunda fase

A esta fase pertencem as obras-primas do romancista e contista. A análise psicológica dos personagens, o egoísmo, o pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clássica, as frases curtas, a técnica dos capítulos curtos e da conversa com o leitor são as principais características dos textos realistas, ao lado da análise da sociedade e da crítica aos valores românticos.

Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra inovadora sob todos os aspectos; um livro revolucionário a partir da sua própria estrutura: são memórias ... póstumas! Ou seja, o narrador, já morto, rememora sua vida, constituindo-se, dessa forma, num defunto-autor – a narração é feita em primeira pessoa. Qual o objetivo de Machado ao criar um narrador que já está morto? Ora, para narrar sua vida com total isenção, Brás Cubas teria de estar totalmente desvinculado de qualquer relação com a sociedade, com a propicia um total descomprometimento, uma total sinceridade. Ironicamente, Brás Cubas assim escreve a dedicatória do livro:


Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.

Com o verbo no passado: roeu. O que significa que Brás Cubas não é mais nada, não existe, não deve satisfações a ninguém; é livre, soberano absoluto para pintar a vida, as pessoas, a si próprio.

O que faz do meu Brás Cubas um autor particular é o que ele chama ¨rabugens de pessimismo¨. Há na alma deste livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero. (...) não digo mais para não entrar na crítica de um defunto, que se pintou a si e a outros, conforme lhe pareceu melhor e mais certo. (...)



Raul d Ávila Pompéia nasceu em 1863, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Aos dez anos de idade, transfere-se com a família para a cidade do Rio de Janeiro, onde é matriculado no Colégio Abílio, dirigido pelo o Dr. Abílio César Borges, Barão de Macaúbas. Em 1881 muda-se para São Paulo, matriculando-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Participa ativamente da campanha abolicionista e engaja-se na causa republicana. Em 1888 Raul Pompéia publica O Ateneu, em folhetim, na Gazeta de Notícias. Leva vida agitada, com várias polêmicas, inimizades e crises depressivas. Abandonado pelos amigos e caluniado nos meios jornalísticos, Pompéia suicida-se no dia de Natal de 1895.


Raul Pompéia, a exemplo de Manuel Antônio de Almeida, entrou para a literatura graças a um único livro: O Ateneu. Suas experiências anteriores se perdem diante da importância desse livro.



O Ateneu – crônica de saudades, como o próprio subtítulo indica, é um livro de memórias: a narrativa é feita em primeira pessoa (o que permite ao autor entrar no complexo mundo das revelações que só se fazem à consciência); Sérgio, o personagem-narrador, já adulto, narra seu tempo de aluno interno no Ateneu. E mais: trata-se de um romance com fortes traços autobiográficos; a fronteira entre ficção e realidade é muito frágil. As identidades são claras: Sérgio é Raul Pompéia; o Dr. Aristarco, diretor do Colégio, é na realidade o Dr. Abílio; O Ateneu é o Colégio Abílio.



O Ateneu é uma obra que permite duas leituras: uma no campo individual, fruto da vivência de Sérgio/Raul Pompéia como interno em um colégio de estrutura cruel (o homossexualismo, inevitável num internato só de meninos; a tirania do diretor; as frustrações e complexos e complexos que essa sociedade fechada provoca; outra no campo político-social, pois se ampliarmos esse universo, poderemos ver O Ateneu como a própria representação da monarquia e Aristarco como a personificação do governo. Ambas as leituras, no entanto, não podem ser vistas isolada e independentemente; ao contrário, elas se fundem, se interpenetram, se complementam. Ao final do livro, Raul Pompéia destrói O Ateneu: um dos meninos provoca um incêndio; é a destruição daquele mundo cruel e de seu criador, Aristarco; é a destruição daquela decadente representação da monarquia. Segundo Mário de Andrade, trata-se da ¨vingança¨de Raul Pompéia.



Aluísio Azevedo



Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão, em 1857. Após os primeiros estudos em sua terra natal, vai para o Rio de Janeiro estudar pintura e desenho; trabalha como caricaturista na imprensa.



Em 1880 inicia-se no romance, publicando Uma Lágrima de Mulher. No ano seguinte, choca a sociedade maranhense ao publicar O Mulato, primeiro romance naturalista de nossa literatura. Em 1895 ingressa na vida diplomática e abandona a literatura. Falece em Buenos Aires, Argentina, em 1913.



Por tentar profissionalizar-se como autor, Aluísio produziu uma obra propositalmente diversificada: de um lado. Os romances românticos, que o próprio autor chamava de ¨comerciais¨; os romances naturalistas, chamados de ¨artísticos¨. Os romances do primeiro grupo foram escritos para o consumo fácil, seguindo a tradicional receita folhetinesca. Ao segundo grupo, entre outros, pertencem os três romances maiores de Aluísio: O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão. Importante é observar que essa divisão não constitui fases, como no caso de Machado de Assis; Aluísio produzia os romances românticos e naturalistas alternadamente.




É como naturalista que Aluísio Azevedo deve ser estudo. Seguindo as lições de Émile Zola e Eça de Queirós, o autor escreve romances de tese, com clara conotação social. Percebe-se nitidamente a preocupação com as classes marginalizadas da sociedade, a crítica ao conservadorismo e ao clero e a defesa do ideal republicano.



Destaque para sua postura tipicamente naturalista ao valorizar sobremaneira os instintos naturais, comparando constantemente seus personagens a animais ou, em outras passagens, atribuindo comportamentos humanos aos animais: uma mulher tem ¨ancas de vaca do campo¨, um homem morre ¨estrompado como uma besta¨; outro tem uma ¨uma exalação de animais cansados¨; por outro lado, os papagaios, ¨à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente¨; para citar alguns exemplos retirados de O Cortiço.



Principais autores e obras



Realismo



Artur Azevedo (1855-1908) – Amor por anexins; A pele do lobo; O dote; A princesa dos cajueiros; O literato; A mascote na roça; O tribofe; Revelação de um segredo; A fantasia; A capital federal (teatro).



Machado de Assis (1839-1908) – Primeira fase: A mão e a Luva; Helena; Iaiá Garcia (romances); (...) - Segunda fase: Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borbas; Dom Casmurro; (...).



Raul Pompéia (1863-1897) - O Ateneu; Uma tragédia no Amazonas; Agonia; (...).



Naturalista



Adorno Caminha (1867-1897) – A normalista; O bom crioulo; (...).
Aluísio Azevedo (1857- 1913) – Uma lágrima de mulher; O mulato; Casa de pensão; O cortiço; (...).



Domingos Olímpico (1850-1906) – Luzia-homem.



BIBLIOGRAFIA



TERRA, Ernani. Gramática & Literatura - Para o 2º Grau. Volume Único - Curso Completo. Goiânia: Editora Scipione. 1994 p. 324.


NICOLA, de José. Gramática & Literatura - Para o 2º Grau. Volume Único (Curso Completo). Goiânia: Editora Scipione. 1994 p. 324.

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