terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Nossa imprensa de cada dia


A imprensa deveria ir mais fundo na apuração das irregularidades, deveria dar mais evidência às injustiças e falcatruas que se cometem contra o cidadão comum. Deveria expor a realidade de forma nua e crua, sem rodeios. Por outro lado, a imprensa deveria também evitar a incitação de linchamentos morais, seu poder deveria ser utilizado de modo mais criterioso, e a busca do furo não deveria justificar suas frequentes precipitações.

Critica-se o jornalismo por ser omisso e invasivo, por ser comprometido e irresponsável ao mesmo tempo. Falsa contradição, em grande medida, que só pode ser superada pela evolução quantitativa da própria mídia.

Não se trata de uma vaga constatação. Caso raro de polemista destemido, mas avesso a dogmatismos, a imprensa na sua militância crítica, alcança no entanto, toda uma série de outros “pequenos assassinatos” que a imprensa comete a cada dia por prepotência outras meras pressas.

Dos anos 50 a meados dos anos 60 o jornalismo foi refém dos partidos políticos. De meados dos anos 70, refém da ditadura.

Nos anos 80, refém dos movimentos organizados. Em final dos anos 80 descobriu uma verdadeira vocação em uma sociedade de mercado moderno: ser representante dos interesses difusos da sociedade, contra os interesses políticos, corporativos e setoriais.

O passo seguinte foi ver como um produto, que tem que responder às expectativas do seu público. A mídia passou a recorrer a departamentos de pesquisas, a leituras imediatistas do que as pesquisas mostravam, a tentar atender as demandas de curto prazo do leitor. E aí se tornou refém do pior censor: a ditadura da opinião pública ou, melhor, de atuar passivamente oferecendo ao leitor aquilo que se pensa que ele quer.

Este é o grande dilema da imprensa de opinião no século 21: atender às expectativas imediatas do leitor ou ser guardiã dos valores da civilização? Se o leitor pede linchamento, ele lhe será oferecido? Como definir as relações com o público, sabendo-se que o participante do jogo de mercado, defendendo da audiência para se viabilizar economicamente? Como impedir que o jornalismo de opinião, intuição essencial para o país, não se contamine definitivamente com o espetáculo tornando o jornalismo num “Reality Show” diário e, ao mesmo tempo, não se torne maçante, a ponto de ser apreciado por meia dúzia de eleitos?

Este é o desafio. Como jornalista, aprendemos a utilizar no limite uma ferramenta que o jornalismo tem como ninguém: a capacidade da meta-crítica, do ajuste rápido. Estruturas hierárquicas, como o judiciário, a universidade, o setor público como um todo têm dificuldades para correções rápidas de rumo. A política se renova a cada quatro anos. Na mídia, não há campanha, por mais ampla e sistemática que seja, que revista a um bom argumento colocado individualmente por um jornal. Esta é a maior virtude da imprensa, essa capacidade e rapidez para o auto-ajuste, a auto-regulação. Nos últimos anos essa capacidade foi embotada inicialmente por uma competição baseada na emulação por toda a mídia dos padrões vitoriosos. Depois, pela consolidação do market share dos principais jornais, e o receio de mudar o modelo e perder participação.

Criou-se uma estratificação daninha. Toda manhã cada jornal tem seu jornalista lendo os concorrentes e comparando as notícias. Se o repórter utilizou o mesmo enfoque do concorrente, não será incomodado, ainda que esteja errado, porque estará errado com a maioria. Se buscar o enfoque original, será cobrado ainda que esteja certo. E se a verdade demorar a aparecer, provavelmente o repórter não terá espaço nem tempo de cobertura para fazer valer a sua verdade. Criou-se um círculo vicioso. Ocorre o episodio. De cara, forma-se o juízo e apresenta-se a conclusão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário